POR QUE ESTUDAR BIOGRAFIAS CRISTÃS?

É um mandato bíblico!

Romanos 15.4 – Pois tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar, de forma que, por meio da perseverança e do bom ânimo procedentes das Escrituras, mantenhamos a nossa esperança.
Hebreus 12.1 – Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta.
Hebreus 13.7 – Lembrem-se dos seus líderes, que lhes falaram a palavra de Deus. Observem bem o resultado da vida que tiveram e imitem a sua fé.
Jonathan Edwards
“Existem duas maneiras de se representar e recomendar a verdadeira religião e a virtude ao homem – uma é mediante a doutrina e o preceito; a outra é por instância e exemplo. Ambas são abundantemente usadas nas Sagradas Escrituras”.
John Piper
“Sendo bem escolhida, a biografia cristã reúne todo o tipo de coisas de que os pastores carecem, embora tenham tão pouco tempo para buscar. A boa biografia é história, e nos protege do esnobismo cronológico (como C. S. Lewis costumava definir). É teologia – e das mais poderosas – pois emerge da vida das pessoas. É aventura e suspense, algo de que temos fome natural. E é ainda psicologia e experiência pessoal que aprofunda a compreensão da natureza humana. Boas biografias sobre os cristãos de maior relevância promovem crescimento notavelmente eficaz”.
QUEM FOI CHARLES H. SPURGEON?

Spurgeon nasceu em Kelvedon, uma área rural de Essex, na Inglaterra, em 19 de junho de 1834; morreu em 31 de janeiro de 1892, em Mantone, França, com apenas 57 anos. Aquele lugarejo, próximo ao Principado de Mônaco, era para onde ele sempre se retirava, a fim de recuperar as suas forças.
Foi e continua sendo um dos mais influentes pastores batistas da Inglaterra, se não de todos os tempos, apesar de ser um calvinista reformado.
Ainda na infância, tornou-se parte bastante envolvido com a tradição não conformista da Inglaterra – herdeiros dos Puritanos que foram expulsos da Igreja Anglicana em 1660. O seu avô James e o seu pai John, descendentes dos huguenotes, eram ministros congregacionais.
Não se sabe ao certo se por motivos financeiros, ou por conta da pouca idade da mãe (ela tinha apenas 19 anos quando Spurgeon nasceu e dentro do ano seguinte nasceria outro bebê; ao todo foram 17 filhos, dos quais 9 morreram ainda na infância), mas com apenas 18 meses de vida (e até a adolescência), Spurgeon foi levado para a casa do avô paterno, em Stambourne. Foi lá que o menino Spurgeon teve os seus primeiros contatos com as obras do Puritanos.
Dentre as que mais marcaram os seus primeiros anos de vida estão: O Peregrino, de John Bunyan (Ed. FIEL), e Um Guia Seguro para o Céu, de Joseph Alleine (Ed. PES).
Apesar de ter crescido como um independente não conformista e de ter convertido-se em uma Capela Metodista Primitiva, ele foi batizado e tornou-se membro de uma igreja batista em 1849 (aos 15 anos de idade!), em Isleham Village.
Em 1850, ele foi matriculado numa escola próxima de Cambridge e tornou-se membro ativo de uma igreja batista local. Aos 16 anos, ele pregou o seu primeiro sermão num sítio em Teversham, um vilarejo de Cambridgeshire.
Em 1851 (aos 17 anos), ele já estava pregando com regularidade numa congregação batista em Waterbeach, Cambridgeshire, onde servia como pastor auxiliar.
Em abril de 1854 (19 anos), Spurgeon aceitou o convite da Igreja Batista na Rua do Novo Parque – IBNP (New Park Street Baptist Church), em Londres. Naquela igreja, ele serviu por 37 anos.
No início de seu ministério, ainda com 20 anos incompletos, sendo de origem rural, e sem qualquer educação teológica formal, Spurgeon sofreu fortes ataques da mídia, da sociedade, de alguns de sua igreja e, principalmente, de alguns pastores da cidade.
Quando Spurgeon chegou à Londres, a IBNP, que outrora fora palco de grandes ministros e ministérios (p.ex.: John Gill e Benjamin Keach), estava em plena decadência. Seus cultos não contavam com mais de 200 pessoas, num auditório com capacidade para 1.200.
Contudo, em menos de um ano após a chegada do jovem pastor, o templo já estava tão cheio, que a congregação precisou mudar-se para o Exeter Hall, enquanto o prédio da igreja era aumentado.
Depois de um tempo, com a capacidade lotada, tanto no templo que fora recentemente ampliado, como também no Exeter Hall, a igreja alugou o Surrey Gardens Music Hall, e, com apenas 22 anos de idade, Spurgeon tornara-se o pregador mais popular de seus dias. A ponto de os jornais em Londres noticiarem que desde os tempos de John Wesley e George Whitefield não havia existido um interesse tão forte pelo cristianismo. (Não é exagero dizer que Spurgeon pastoreou a primeira mega igreja dos tempos modernos)
Em 1861 (7 anos após assumir a IBNP), terminaram as obras de construção do Tabernáculo Metropolitano. Um templo para 9 mil pessoas sentadas. O prédio estava totalmente pago quando a igreja ocupou o local. Spurgeon pregou ali por mais de 30 anos, até a sua morte.
A pregação e o ministério de Spurgeon eram a causa de tantas bênçãos e sucessos. Diz-se que durante o seu pastorado na IBNP, Spurgeon tenha batizado 14.692 pessoas (uma média de 380 batismos por ano, 31 batismos por mês!).
Spurgeon casou-se com Suzannah Thompson, em 1856 (aos 22 anos). Eles tiveram dois filhos gêmeos, Charles e Thomas Spurgeon. Ele rejeitou o título de “Reverendo” por questões de princípios e recusou-se a ser ordenado, por não possuir curso de teologia. Enfrentava graves problemas de saúde, inclusive, e por muitas vezes, entrando em depressão.
Spurgeon pregou seu último sermão no Tabernáculo Metropolitano, em 06 de junho de 1891. Ele morreria em Mantone, como vimos, em 31 de janeiro de 1892, aos 57 anos de idade.
SPURGEON EXPERIMENTOU O SOFRIMENTO
Por que eu admiro e sempre me recorro à biografia de Charles H. Spurgeon? Dentre tantos fatores, ressalto as tribulações da vida e da vocação do príncipe dos pregadores. Todos nós, pastores, encaramos adversidades na vida e na vocação, e precisamos encontrar mecanismos para continuar a jornada.
O coração é o instrumento principal de nossa vocação. Spurgeon dizia que:
“Todo trabalho mental tende a cansar-nos e a deprimir-nos, pois o muito estudo, enfado é da carne; porém o nosso trabalho é mais que mental – é do coração, é labuta do íntimo da nossa alma”.
Uma coisa é sobrevivermos a uma adversidade; outra coisa completamente diferente é sobreviver e continuar pregando em meio àquela adversidade, continuar pregando domingo após domingo, mês após mês, ano após ano, continuar pregando quando o coração está sobrecarregado pelas adversidades.
Falando aos alunos do Colégio de Pastores Spurgeon comentou:
“Um golpe esmagador às vezes deixa um pastor muito abatido. O irmão em que mais se confiava torna-se um traidor… Dez anos de trabalho não tiram tanto da vida como o que perdemos em poucas horas por causa de Aquitofel, o traidor, ou de Demas, o apóstata. As contendas, também, e as divisões, as calúnias e as críticas tolas, muitas vezes prostram santos homens e os fazem sentir como com uma espada nos ossos… As palavras duras ferem profundamente… Um coice que mal move um cavalo, mata um bom teólogo. Com os anos de experiência a alma se enrijece para os golpes duros e rudes que são inevitáveis em nosso combate; mas, no início, essas coisas nos abalam profundamente e nos mandam para casa envoltos no horror de grandes trevas. As provações de um verdadeiro ministro não são poucas, e as que são causadas por crentes professos ingratos são mais duras de aguentar do que os mais grosseiros ataques de inimigos e ímpios confessos. Oxalá nenhum homem que anda em busca de tranquilidade mental e de quietude de vida entre no ministério; se o fizer, fugirá dele desgostoso”.
Spurgeon experimentou o sofrimento.

SPURGEON PERSEVEROU EM MEIO AO SOFRIMENTO
Aprendemos com Spurgeon que é possível atravessar os vales de dores do ministério sem perder a doçura e permanecer no mesmo lugar, domingo após domingo, por 37 anos.
Penso que o seu segredo residia na forma como ele encarava a realidade ministerial:
“Vivam o dia presente – sim, a hora. Não ponham confiança em disposições de espírito e em sentimentos. Atentem mais para um grão de fé do que para uma tonelada de agitação emocional. Confiem em Deus somente e não se inclinem a ceder às necessidades de ajuda humana. Não se surpreendam quando os amigos falharem com você, este é um mundo falho. Jamais contem com a imutabilidade dos homens; com a inconstância vocês podem contar, sem temer decepções… não se espantem quando os seus adeptos se apartarem de você indo atrás doutros mestres… contentem-se em nada ser, pois é o que são… Dêem pouco valor às recompensas atuais; sejam agradecidos pelos pequenos prêmios recebidos durante o percurso, porém busquem a recompensadora alegria vindoura. Continuem servindo ao Senhor com redobrado fervor quando não se lhes apresentar nenhum resultado visível. Qualquer simplório pode seguir pelo caminho estreito na luz; a rara sabedoria da fé nos capacita a prosseguir no escuro com precisão infalível, visto que ela põe a mão na do Grande Guia… Em nada saiamos do caminho que a vocação divina induziu-nos a seguir. Bom ou ruim, o púlpito é a nossa torre de vigia, e o ministério é a nossa guerra; compete-nos, quando não pudermos ver o rosto de Deus, confiar à sombra das suas asas”.
O SOFRIMENTO DE SPURGEON
Ele conheceu todo tipo de adversidade que um pastor sofre, e um pouco mais.
1 – Frustrações e desapontamentos causados por membros mornos
“Você sabe o que um homem de coração frio pode fazer, se ele se agarra a você no domingo de manhã como um pedaço de gelo, e congela-lo com as informações de que a Sra. Smith e toda a sua família estão ofendidos, e seu banco está vago. Você não quer saber do protesto que a sociedade de senhoras está fazendo momentos antes de entrar no púlpito… isto não vai ajudá-lo”.
“Que mestres terríveis são alguns professores! Seus comentários após um sermão são suficientes para cambalear você… Você esteve implorando, falando de vida ou morte, e eles ficaram calculando quantos segundos o sermão ocupou, e comentam sobre os cinco minutos além da hora habitual que você tomou”.
“‘Não colocarás o boi e o jumento juntos sob um mesmo jugo’ foi um preceito misericordiosos, mas quando um ministro, trabalhador como um boi, é colocado sob o mesmo jugo que um diácono que não é outro boi, torna-se difícil trabalhar arando a terra”.
2 – Sofrimentos que nos sobrevêm pelo menos uma vez na vida
Em 19 outubro de 1856 ele pregou pela primeira vez no Salão de Música do Royal Surrey Gardens, porque sua própria igreja não iria comportar o povo. A capacidade máxima para 10 mil pessoas estava mais do que ultrapassada pelas multidões que se apertavam dentro do prédio. Alguém gritou: “Fogo!” e houve grande pânico em algumas partes do edifício. Sete pessoas foram mortas no tumulto e dezenas ficaram feridas.
Spurgeon tinha 22 anos e foi vencido por esta calamidade. Ele disse mais tarde:
“Talvez minha alma nunca ficou tão perto de se queimar na fornalha da insanidade, e ainda assim saiu ilesa.”
Mas nem todos concordam que ele tenha saído ileso. A sequela daquele episódio pesou sobre ele por muitos anos depois. Um amigo próximo e biógrafo disse:
“Não posso deixar de pensar, pelo que eu vi, que a razão para a sua morte comparativamente precoce pode ser, em alguma medida, devido à fornalha de sofrimento mental que ele sofreu em e depois daquela noite terrível”.
3 – Spurgeon conheceu a adversidade na dor familiar
Ele havia se casado com Susannah Thomson em 08 de janeiro, no mesmo ano da calamidade em Surrey Gardens. Suas duas únicas crianças, filhos gêmeos, nasceram um dia depois da calamidade, em 20 de outubro. Susannah nunca mais foi capaz de ter filhos. Em 1865 (nove anos mais tarde), quando tinha 33 anos, ela se tornou virtualmente inválida e raramente ouviu o marido pregar nos 27 anos seguintes, até a sua morte.
Algum tipo raro de operações cervical foi tentada em 1869 por James Simpson, o pai da obstetrícia moderna, mas sem sucesso. Então, além dos outros encargos de Spurgeon, foi adicionado a ele uma esposa doente e a incapacidade de ter mais filhos, embora sua própria mãe tinha dado à luz a dezessete crianças.
4 – Spurgeon sofreu com dores físicas inimagináveis
Ele sofria de gota, reumatismo e doença de Bright (inflamação dos rins). Seu primeiro ataque de gota ocorreu em 1869, com a idade de 35. Tornou-se progressivamente pior, de forma que “aproximadamente um terço dos últimos 22 anos do seu ministério foi gasto fora do púlpito do Tabernáculo, ora sofrendo, ora convalescendo, ora tomando precauções contra o retorno da doença”.
Em uma carta a um amigo, ele escreveu:
“Lucian diz: ‘Eu pensei que uma cobra tinha me mordido, enchendo minhas veias com veneno, mas foi pior, foi gota.’ Isto foi escrito a partir da experiência pessoal, eu sei”.
Assim, por mais da metade do tempo, o ministério de Spurgeon foi empregado nos tratamentos de dor cada vez mais recorrentes em suas articulações, ao ponto de tirá-lo do púlpito e de seu trabalho, vez após outra, até que as doenças lhe tiraram a vida aos 57 anos, onde ele estava convalescendo em Mentone, na França.
5 – Além do sofrimento físico, Spurgeon teve de suportar uma vida de ridículo público e calúnia, por vezes, do tipo mais cruel
Em abril de 1855, o jornal Essex Standard publicou um artigo com as seguintes palavras:
“Seu estilo é o coloquial vulgar… Todos os mistérios mais solenes de nossa santa religião são por ele rude e impiedosamente manipulados. O senso comum está indignado e a decência revoltada. Suas falas são intercaladas com anedotas grosseiras”.
O Sheffield e Rotherham Independent disse:
Ele é de admirar-se, como um cometa que, de repente, atravessou a atmosfera religiosa. Ele subiu como um foguete e dentro em pouco cairá como um galho seco.
Sua esposa manteve um livro de recortes contendo tais críticas retiradas dos jornais, no período de 1855 a 1856. Algumas delas eram fáceis de se esquecer. A maior parte, não! Em 1857, ele escreveu:
“Sobre os meus joelhos é que eu muitas vezes tenho caído, com o suor quente que brota de minha testa diante de algumas calúnias frescas que são derramadas sobre mim. Em muita agonia e dor, meu coração tem sido quase quebrado”.
Além das críticas dos jornais, ele também sofria com seus colegas pastores que o criticavam, tanto da direita como da esquerda.
Joseph Parker, de esquerda, escreveu:
“O Sr. Spurgeon era totalmente destituído de benevolência intelectual. Se os homens vissem como ele via eles eram ortodoxos; se eles vissem as coisas de outra forma eles eram heterodoxos, pestilentos e incapazes de elevar as mentes dos estudantes ou inquiridores. O Sr. Spurgeon era de um egoísmo superlativo, não era hesitante ou tímido, e nem de um egoísmo meio disfarçado que esconde a sua própria cabeça, mas do tipo elevado, com excesso sublime, que toma o assento principal como seu por direito. As únicas cores que o Sr. Spurgeon reconhecia eram o preto e o branco”.
Da direita, James Wells, um hiper-calvinista, escreveu: “Eu tenho dúvidas – sérias dúvidas – da realidade divina de sua conversão”.
Spurgeon disse de si mesmo:
“Os homens não podem dizer nada pior do que já disseram sobre mim. Tenho sido desmentido da cabeça aos pés, e já me deturparam até o último grau. Minha boa aparência já se foi e ninguém pode me prejudicar muito agora”.
Apesar de muitas vezes ele soar áspero e duro, a dor que muitas vezes sentia era esmagadora e mortal. Em maio de 1891, oito meses antes de morrer, ele disse por carta a um amigo o seguinte:
“Adeus, você nunca mais me verá novamente. Esta luta está me matando”.
6 – Spurgeon foi tripudiado pela depressão
Essa última adversidade que passamos a destacar é resultado de todas as outras. Não é fácil imaginar o “onicompetente”, eloquente, brilhante e cheio de energia Spurgeon chorando como um bebê sem nenhum motivo que pudesse pensar. Em 1858, aos 24 anos, foi que isso aconteceu pela primeira vez. Ele disse:
“Meu espírito estava tão profundamente afundado que eu poderia chorar por horas como uma criança, e eu não sabia porque eu chorava”.
Ele viu sua depressão como a sua “pior característica”. Ele disse:
“Desânimo não é uma virtude, eu acredito que é um vício. Sinceramente, eu vivo envergonhado de mim mesmo por sempre cair em tristeza, mas eu tenho certeza de que não há remédio contra ela tão bom quanto uma santa fé em Deus”.
Apesar de todos estes sofrimentos e perseguições Spurgeon suportou até o fim, e foi capaz de pregar poderosamente, até seu último sermão no Tabernáculo em 07 de junho de 1891. Assim, a pergunta que tenho feito na leitura da vida e da vocação deste homem é…
A SUPERAÇÃO DE SPURGEON
O número de estratégias para perseverar em graça é abundante na vida de Spurgeon. Minhas escolhas são muito limitadas e pessoal. O escopo da guerra deste homem e a sabedoria de suas estratégias eram imensas. Nosso tempo é curto e temos de ser muito seletivos.
Eu começo com a questão do desânimo e da depressão. Pois se isto pode ser conquistado, todas as outras formas de adversidade também poderão.
1. Spurgeon viu sua depressão como um projeto de Deus para o bem de sua vida e de sua vocação, e também da glória de Cristo.
O que nós podemos observar de ponta a ponta na vida de Spurgeon é a sua fé inabalável na soberania de Deus em todas as suas aflições. Mais do que qualquer outra coisa, parece que essa fé foi o que o manteve em pé através de tudo o que ele passou. Ele disse:
“Seria uma experiência muito forte e tentadora pensar que eu tenho uma aflição que Deus nunca me enviou, que o cálice amargo nunca foi preenchido por suas mãos, que as minhas tribulações nunca foram medidas por ele, nem enviadas a mim no peso e na quantidade que manda a sua disposição”.
Esta é exatamente a estratégia oposta do pensamento moderno, o pensamento de muitos evangélicos hoje em dia, que recua das implicações do infinito. Se Deus é Deus, ele não só sabe o que está por vir, mas ele sabe porque ele projetou o que está por vir. Para Spurgeon este ponto de vista acerca de Deus não era um primeiro argumento para debate, mas um meio de sobrevivência.
Nossas aflições são o regime de saúde de um Médico infinitamente sábio. Ele disse aos seus alunos:
“Ouso dizer que a maior bênção terrena que Deus pode dar a qualquer um de nós é a saúde, com exceção de doença… Se alguns homens que eu conheço pudessem ser favorecidos com um mês de reumatismo, isto iria, pela graça de Deus, amadurecê-los maravilhosamente”.
Ele quis dizer isso principalmente para si mesmo. Embora ele temesse o sofrimento e de bom grado escolheria evitá-lo, ele disse:
“Temo que toda a graça que eu recebi, dos momentos fáceis e confortáveis, e também das horas alegres que passei, caberia sobre uma moeda de um centavo. Mas o bem que eu tenho recebido de minhas tristezas, dores, e dissabores é totalmente incalculável… A aflição é a melhor mobília de minha casa. É o melhor livro da biblioteca de um ministro.”
Ele via três propósitos específicos de Deus em sua luta contra a depressão.
1.1 – A primeira é que ela funcionava como o espinho do apóstolo Paulo para mantê-lo humilde, para que ele não se exaltasse em si mesmo.
Ele disse que a obra do Senhor se resume nestas palavras:
“Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor”. Instrumentos devem ser usados, mas a sua fraqueza intrínseca deve ser claramente manifestada; não poderá haver divisão da glória, nem diminuição da honra devida ao Grande Trabalhador… Aqueles que são honrados pelo seu Senhor em público normalmente têm de suportar uma correção secreta, ou carregar uma cruz peculiar, por que, do contrário, haverão de se exaltar e cairão no laço do diabo”.
1.2 – O segundo propósito de Deus para a sua depressão estava no poder inesperado que ela conferia ao seu ministério.
“Em um domingo de manhã, eu preguei a partir do texto: ‘Meu Deus, Meu Deus, por que me desamparaste?’, e embora eu não tivesse dito,  preguei minha própria experiência. Eu ouvia o barulho das minhas próprias cadeias enquanto eu tentava pregar aos meus companheiros de prisão que estavam na escuridão; mas eu não conseguia descobrir por que eu havia sido levado a tal horror e terrível escuridão, pela qual eu me condeno até o pó… Na noite da segunda-feira seguinte, um homem veio me ver, em quem se podia observar todas as marcas do desespero no rosto. Seu cabelo parecia estar em pé, e seus olhos estavam prontos para saltar de sua face. Ele me disse, depois de conversar um pouco: ‘Eu nunca, em toda a minha vida, ouvi alguém falar de forma tal que parecia conhecer o meu coração. Meu é um caso terrível; mas no domingo de manhã você me trouxe à vida, e pregou como se você tivesse saído de dentro da minha alma’. Pela graça de Deus, eu salvei aquele homem do suicídio, e levei-o à luz, ao Evangelho da liberdade; mas sei que não poderia ter feito isso se eu não tivesse sido confinada no mesmo calabouço em que ele estava. Conto-lhes esta história, irmãos, porque às vezes vocês podem não entender sua própria experiência, e as pessoas ‘perfeitas’ podem condená-los por tê-la; mas o que entendem eles sobre os servos de Deus? Você e eu temos que sofrer muito para o bem do povo sob o nosso encargo… Você pode estar na escuridão da praga no Egito, e você pode perguntar por que tal horror e tantos calafrios; mas você está totalmente certo, na busca de sua vocação, sendo guiados pelo Espírito a uma posição de simpatia para com as mentes desalentadas”.
1.3 – O terceiro propósito de Deus para a sua depressão era o que ele chamou de um sinal profético para o futuro.
“Esta depressão se apodera de mim sempre que o Senhor está preparando uma grande bênção para o meu ministério. A nuvem é negra antes de quebrar e chover, e ofusca antes de despejar o seu dilúvio de misericórdia. A depressão agora se tornou para mim como um profeta em roupas ásperas, um João Batista, anunciando que está próxima a vinda de bênçãos ainda mais ricas do meu Senhor”.
2. Spurgeon suplementou a sua estratégia teológica de sobrevivência com os meios naturais criados por Deus para a sobrevivência – descanso e natureza.
Apesar de toda sua mensagem sobre se desgastar para a glória de Deus, ele aconselhava seus colegas a descansar, tirando um dia de folga por semana, para que se abrissem para a cura poderosa de Deus através da natureza.
“Nosso sábado [domingo] é o nosso dia de labuta e se não descansarmos em algum outro dia nós vamos quebrar”.
Eric Hayden nos informa que Spurgeon mantinha, quando possível, as quartas-feiras como o seu dia de descanso.
Mais do que isso, Spurgeon disse aos seus alunos:
“É sábio de nossa parte tirarmos folgas ocasionais. A longo prazo, muitas vezes nós faremos mais ao fazermos menos. Fazer, fazer e fazer para sempre, sem descanso e lazer, poderá produzir espíritos vazios dentro deste “barro pesado”, mas enquanto estamos neste tabernáculo, temos que de vez em quando parar tudo e servir ao Senhor em santa inação e com lazeres consagrados. Que ninguém duvide em sua consciência da legalidade de se sair para aproveitar por um tempo”.
Spurgeon recomendava que, ao darmos um tempo na pressão e nos afazeres, nós deveríamos respirar o ar do campo e deixar que a beleza da natureza fizesse o seu devido trabalho. Ele confessava que:
“Hábitos sedentários têm a tendência de criar em nós desânimo… especialmente nos meses de nevoeiro”.
A seguir, ele aconselha:
“Um bocado de brisa do mar, ou uma longa caminhada com o vento batendo no rosto, não conferirá graça às nossas almas, mas oxigenará o nosso corpo, o que, em segundo plano, é o que há de melhor”.
Spurgeon nos faz repensar nossos hábitos alimentares, sedentários e sem trégua para descanso (sono e lazer).
“Você deve se atentar um pouco mais para a condição do seu corpo… o senso comum seria um grande ganho para alguns que são ultra-espirituais, e atribuem todos os seus sintomas a alguma causa sobrenatural, quando a razão real é bem mais óbvia. Não ocorre com frequência que dispepsia [dificuldade de digestão, indigestão] tem sido confundido com abandonar a fé, e má digestão tem sido definido com dureza de coração?”.
3. Spurgeon buscou alimentar a sua alma em comunhão com Cristo, através de oração e meditação nas Escrituras
“Jamais negligencie suas refeições espirituais, ou você não terá estamina e seu espírito irá se afundar. Viva das doutrinas substanciais da graça, e você sobreviverá àqueles que se deleitam na pastelaria e no programa de aula do ‘pensamento moderno’”.
“Acima de tudo, alimente a chama em comunhão íntima com Cristo. Nenhum homem que tenha vivido com Jesus é tão frio de coração… Eu nunca encontrei um pregador desanimado que estivesse mantendo comunhão íntima com o Senhor Jesus”.
Uma das descrições mais tocantes que podemos ler de sua comunhão com Deus vem de 1871, quando ele estava com dores terríveis por conta da gota:
“Quando, há alguns meses atrás, eu estava atormentado com a dor, em um grau extremo, de modo que eu não conseguia mais carregá-la sem chorar, eu pedi que todos saíssem do quarto e me deixassem sozinho; e então eu não tinha nada que pudesse ser dito a Deus, mas isso: ‘Tu és meu Pai, e eu sou teu filho; e tu, como um Pai, és cheio de misericórdia. Eu não poderia suportar ver meu filho sofrer como tu me fazes sofrer, e se eu o visse atormentado como estou agora, eu faria o que pudesse para ajudá-lo, e colocá-lo sob meus braços para sustentá-lo. Queres esconder o teu rosto de mim, meu Pai? Porventura ainda manterás sobre mim a tua mão pesada, e não me darás um sorriso de teu rosto?’… Foi assim que implorei; e aventurei-me a dizer, quando todos voltaram e eu me sentia melhor: ‘Eu nunca mais terei tanta dor de novo a partir deste momento, porque Deus ouviu a minha oração’. Louvo a Deus que veio aliviar a dor e seu ferrão nunca mais voltou”.
Se vamos pastorear e pregar em meio às adversidades, nós teremos de viver em comunhão com Deus, com intimidade profunda, alimentando-nos da graça de suas promessas e das revelações de sua glória.
Quando não conseguir orar, ore assim mesmo. O Espírito Santo haverá de guiá-lo e ensiná-lo. Spurgeon dizia:
“Creio que, quando não conseguimos orar, isso quer dizer que chegou a hora de fazê-lo mais do que nunca. E se você retrucar: ‘Mas como?’, eu lhe direi: ‘Ore por orar!’Ore pedindo para conseguir orar. Pedindo o espírito de súplica. Não se contente em dizer: ‘Eu oraria se pudesse’. Pelo contrário, se não consegue orar, ore até conseguir. Caso sinta o coração frio durante a oração, não pare até percebê-lo aquecido. Antes, incendeie a própria alma em oração com a ajuda do Espírito, que nos auxilia em nossa fraqueza. Se o ferro estiver quente, não deve malhá-lo, e se estiver frio, deve malhá-lo ainda mais, até esquentá-lo. Nunca cesse de orar. Por motivo nenhum.”
4. Spurgeon manteve sua paixão pela vida e vocação fixando seus olhos na eternidade, em vez de colocá-los no preço imediato da fidelidade a Deus.
Certa vez, pregando na conferência de seus pastores, ele disse:
“A posteridade deve ser considerada. Eu não olho muito para o que está acontecendo no dia-a-dia, pois estas coisas se relacionam com a eternidade. De minha parte, estou muito disposto a ser comido pelos cães nos próximos 50 anos; Mas o futuro mais distante haverá de me vindicar. Tenho lidado com honestidade perante o Deus vivo. Meus irmãos, façam o mesmo.”
Spurgeon vivia em consonância com a Palavra apostólica:
2Co 4.16-18
16 Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia. 17 Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, 18 não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.
5. Spurgeon utilizou-se de comunhão fortalecedora na batalha contra o sofrimento.
No auge das críticas e a fim de encorajar o marido, Susannah Spurgeon agiu para ajudar o marido. Ela diz:
“Meu coração ora sofria por ele, ora se inflamava de indignação contra seus detratores. Durante muito tempo, pesei sobre como poderia confortá-lo continuamente. Até que optei pelo recurso de mandar gravar os seguintes versículos em letras grandes e emoldurá-los:
11 Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. 12 Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a sua recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês’ (Mt 5.11-12)
O texto foi pendurado em nosso quarto e lido por meu querido esposo e pastor todas as manhãs – cumprindo seu propósito bendito, visto que lhe fortaleceu o coração e o capacitou a afivelar a armadura invisível com a qual podia caminhar tranquilo entre os homens, indiferente a suas calúnias, preocupado apenas com o que era melhor para o interesse deles mesmos.
Em resumo: supere o sofrimento com…
1. Tenha plena consciência da soberania de Deus
2. Utilize-se dos meios criados por Deus
3. Faça uso da Palavra e da oração
4. Fixe seus olhos na eternidade
5. Cultive a comunhão fortalecedora
Para terminar:
1Sm 23.15-18 | 15 Quando Davi estava em Horesa, no deserto de Zife, soube que Saul tinha saído para matá-lo. 16 E Jônatas, filho de Saul, foi falar com ele, em Horesa, e o ajudou a encontrar forças em Deus. 17 “Não tenha medo”, disse ele, “meu pai não porá as mãos em você. Você será rei de Israel, e eu lhe serei o segundo em comando. Até meu pai sabe disso.” 18 Os dois fizeram um acordo perante o Senhor. Então, Jônatas foi para casa, mas Davi ficou em Horesa.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
LIDERANÇA ESPIRITUAL SEGUNDO SPURGEON
Steve Miller | Ed. Vida
O FOCO EVANGÉLICO DE CHARLES SPURGEON
Steven J. Lawson | Ed. FIEL
O SPURGEON QUE FOI ESQUECIDO
Iain H. Murray | Ed. PES
SPURGEON VERSUS HIPERCALVINISMO
Iain H. Murray | Ed. PES
SPURGEON: UMA NOVA BIOGRAFIA
Arnold Dallimore | Ed. PES
LIÇÕES AOS MEUS ALUNOS (3 volumes)
Charles H. Spurgeon | Ed. PES
UM MINISTÉRIO IDEAL (2 volumes)
Charles H. Spurgeon | Ed. PES
O CONQUISTADOR DE ALMAS
Charles H. Spurgeon | Ed. PES
SPURGEON E O EVANGELICALISMO MODERNO
Paulo Anglada | Ed. Os Puritanos

    Vídeo